APRENDA REALMENTE SOBRE:
Os negros na Bíblia
A participação dos africanos na
história sagrada
Até a construção do Canal de Suez,
não se fazia distinção entre as terras bíblicas do Antigo Testamento. O cenário
da História Sagrada ia do Eufrates ao Nilo. De um vale a outro, estendia-se
ininterruptamente. O Mar Vermelho? Não representava qualquer obstáculo. Bastava
dividi-lo e deixar Israel multiplicar-se pelo deserto até Canaã. Para o Faraó,
a península do Sinai era Egito, e o Egito nunca deixou de ser África. Aos seus
olhos tirânicos e opressores, os hebreus eram mais africanos que semitas.
Essa visão haveria de perdurar até 1859, quando o engenheiro francês Ferdinand
de Lesseps pôs-se a construir o Canal de Suez. A partir daí, a África foi
separada não somente geográfica, mas cultural e antropologicamente, do restante
do Oriente Médio. Não demorou muito e aquela extensão da África deixou de
figurar, nos mapas, como se jamais estivesse ligada ao continente negro. Por
isso, muitos cristãos já não atentam para um fato importantíssimo: a mensagem
que Israel legou ao mundo começou a ser escrita em terras africanas.
Se tais nuanças não são percebidas pelos leitores da Bíblia, atentemos a
notável participação do africano na História Sagrada. A fim de que a nossa
visão torne-se mais clara é mister que comecemos por derrubar alguns mitos que
se fizeram dogmas.
Mitos dogmáticos ou dogmas
mitológicos?
Já ouvi dizer que a cor negra é o sinal que o Senhor colocara em Caim por haver
este matado a seu irmão Abel (Gn 4.15). Há quem sustente também que o patriarca
Noé, para castigar o irreverente Cam, deu-lhe como herança a África e, como
distinção, legou-lhe uma dose a mais de melanina (Gn 9.25). Como se vê, as
extravagâncias hermenêuticas não têm limites. O pior é que tais besteiras são
ensinadas como doutrina e consumidas como dogma.
Erudição alguma é necessária para se constatar a incongruência dessas
conjecturas. Teológica e historicamente, são falhas e tendenciosas. Do texto
sagrado, infere-se logo que toda a descendência de Caim foi destruída pelo
Dilúvio. Apenas a linhagem de Set, representada por Noé e sua família, entrou
na arca (Gn 5.30; 7.13). A genealogia de Caim encerra-se no capítulo quatro de
Gênesis, ao passo que a de Set, que Eva gerou após o assassinato de Abel,
prosseguiu até o nascimento de Jesus (Lc 3.38). Sobre a marca que o Senhor
imprimiu no homicida não foi, definitivamente, a cor de sua pele, mas um
ideograma, denunciando-lhe a mancha do crime (Gn 4.15).
Com respeito ao caçula de Noé, o texto do Gênesis não comporta dúvidas: apenas
um ramo dos camitas foi amaldiçoado: os cananeus (Gn 9.25-29). E a maldição
cumpriu-se quando os hebreus tomaram-lhes as terras no século 15 a.C. Os demais
filhos de Cam são mencionados na Bíblia como nações fortes, aguerridas e
poderosas. Haja vista o Egito, a Etiópia e a Líbia que, na antiguidade, foram
reinos temíveis e engrandecidos.
De acordo com a concepção judaico-cristã, não há nenhuma maldição em ser negro,
nem bênção alguma em ser branco, amarelo ou vermelho. A bem-aventurança reside
em se guardar os mandamentos de Deus, praticar a justiça e observar a
beneficência: “Deus não faz acepção de pessoas, mas lhe é agradável aquele que,
em qualquer nação, o teme e faz o que é justo” (At 10.34-35).
Todos somos filhos de Adão, conforme enfatiza o apóstolo Paulo em seu discurso
no Areópago: “De um só fez Deus toda a raça humana para habitar sobre toda a
face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites
da sua habitação” (At 17.26). O monogenismo bíblico ensina, portanto, que toda
a humanidade proveio de um único tronco genético: Adão e Eva. No Livro Sagrado
não há qualquer espaço ao racismo.
A África no índice das nações
Conhecido como o índice das nações, o capítulo 10 de Gênesis faz referência a,
pelo menos, três poderosas nações africanas: Cuxe, Mizraim e Pute (Gn 10.6). Ou
seja: Etiópia, Egito e Líbia. Apesar das muitas tribulações de sua história,
estes povos vingaram: no passado, impérios; no presente, o vivo testemunho do
vigor das civilizações negras.
Durante toda a História Sagrada, o Egito sempre foi temido como potência
mundial. A Etiópia, por seu turno, era uma nação tão belicosa que, no tempo do
rei Asa, invadiu o Reino de Judá com um exército de um milhão de homens (2 Cr
14.9). Quanto à Líbia, era vista pela Assíria como um contrapeso às ambições
babilônicas (Na 3.9).
Se coletivamente os africanos foram marcantes, individualmente fizeram-se
inesquecíveis no texto bíblico.
A mulher negra de Moisés
No capítulo 12 de Números, lemos: “E falaram Miriã e Arão contra Moisés, por
causa da mulher cuxita, que tomara; porquanto tinha tomado a mulher cuxita” (Nm
12.1).
Se não fosse o contexto desse triste e vergonhoso episódio, seríamos levados a
pensar que a profetisa e o sumo sacerdote hebreus eram tão nocivos quanto os
criadores do apartheid. Todavia, mostra-nos o desenrolar da história, que a má
vontade de ambos não tinha como motivação o racismo. O que eles não toleravam
eram os privilégios que Moisés desfrutava junto a Deus. Como não achassem
nenhuma falha no legislador, ajuntaram-se para censurar-lhe a união
inter-racial que, diga-se de passagem, não era incomum entre os antigos
israelitas. Não se unira Abraão com uma africana e com uma africana não se
casara José?
Eu sou negra e aprazível
Como você imagina a Sulamita dos Cantares de Salomão? Uma caucasiana
encontradiça nas pinturas da renascença italiana? E se você descobrisse que o
maior poema de amor de todos os tempos foi dedicado a uma negra? As filhas de
Jerusalém indignaram-se quando Salomão elegeu a formosa pastora de Quedar como
a predileta de seu coração. Mas, o que fazer? O amor não tem fronteiras.
Diante de tão descabida acepção, Sulamita protesta: “Eu sou morena e agradável,
ó filhas de Jerusalém, como as lendas de Quedar, como as cortinas de Salomão”
(Ct 1.5). Se o texto em português deixa alguma dúvida quanto à cor da
formosíssima jovem, o texto inglês é concludente: “I am black but comely”. A
tradução do Rei Tiago está mais de acordo com o original hebraico.
O negro que ajudou Jeremias
Jeremias profetizou no período mais crítico do Israel do Antigo Testamento. Em
breve, os judeus seriam entregues aos babilônios, que os orfanariam de seus
símbolos mais altos e caros: a Cidade Santa e o Santo Templo. É justamente
nesse momento que o profeta aparece com uma mensagem impopular e nada
patriótica. Apregoa a submissão ao opressor e condena qualquer esboço de
resistência. Enfim, Judá deveria curvar-se ao jugo estrangeiro, pois essa era a
vontade de Deus.
Por causa de sua atitude, foi Jeremias lançado no calabouço de Malquias (Jr
38.6). E só não morreu porque um etíope chamado Ebede-Meleque intercedeu por
ele junto ao rei Zedequias. Por sua corajosa postura, o negro Ebede é honrado
até hoje.
Os negros em o Novo Testamento
Muitos africanos veem a Igreja como um típico empreendimento europeu. Por isso,
ainda se assustam com os missionários brancos e barbudos que, desde David
Livingstone, cortam a negritude daquelas terras, levando a mensagem do Cristo.
Em sua origem, porém, a Igreja era tão multirracial quanto hoje.
No Dia de Pentecostes, encontravam-se em Jerusalém, além dos gregos, romanos e
bárbaros, várias nações negras: Egito, Líbia e Cirene. E, nesses países, o
Evangelho floresceu de maneira surpreendente. Haja vista a igreja em Alexandria,
da qual saíram Orígenes, Clemente e Atanásio.
Lembremo-nos também do ministro da
fazenda da Etiópia, que se converteu quando retornava ao seu país (At 8.26-38).
Acredita-se ter sido com este negro que teve início a Igreja Copta.
Uma visão universal e transcultural
da Bíblia
Ainda hoje, a Bíblia é vista como um livro branco e colonial. Jamais nos
esqueçamos, porém, de que a Palavra de Deus é destinada a todos os povos,
nações e tribos. De fato, o cânon sagrado começou a ser escrito na África e foi
encerrado na Europa. Sim, a Bíblia é destinada a todas as famílias da terra.
Por isso, é o livro mais amado e lido do mundo.
Em suas páginas, vemos o hebreu Abraão, a africana Agar, o grego Lucas e o
romano Cornélio. O mais importante, contudo, é que, do início ao fim,
encontramos o Filho do Homem – Jesus Cristo, Senhor de todos nós. Nele, não há
segregação nem apartheid: o seu amor inclui sempre, jamais exclui. Brancos ou
negros, todos precisamos do meigo Salvador.